Psiquiatras ficam acuados em batalha sobre a saúde mental
JAMIE DOWARD DO "OBSERVER"
Não há prova científica de que diagnósticos psiquiátricos como os de esquizofrenia e transtorno bipolar sejam válidos ou úteis, segundo uma importante entidade que representa os psicólogos clínicos da Grã-Bretanha.
Em uma atitude inédita, e que já atraiu uma forte reação dos psiquiatras, a divisão de psicologia clínica (DCP, na sigla em inglês) da Sociedade Britânica de Psicologia divulgou na segunda-feira (dia 13) uma nota declarando que, dada a falta de provas, é hora de uma "mudança de paradigma" na forma como as questões de saúde mental são entendidas. A declaração na prática põe em dúvida o modelo biomédico de perturbação mental predominante na psiquiatria - a ideia de que as pessoas estão sofrendo de doenças tratáveis por médicos usando remédios. O DCP disse que sua decisão de se manifestar "reflete preocupações fundamentais sobre o desenvolvimento, impacto pessoal e suposições centrais dos sistemas [de diagnóstico usados pela psiquiatria]".
Lucy Johnstone, consultora de psicologia clínica que participou da redação da nota do DCP, disse que não é útil encarar as questões de saúde mental como sendo doenças com causas biológicas.
"Pelo contrário, agora há provas contundentes de que as pessoas desmoronam como resultado de uma complexa mistura de circunstâncias sociais e psicológicas - luto e perda, pobreza e discriminação, trauma e abuso", disse Johnstone. A provocativa declaração do DCP foi programada para sair pouco antes do lançamento do DSM-5, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, feito pela Associação Americana de Psiquiatria.
O manual está sendo atacado por expandir a gama de problemas de saúde mental que são classificados como transtornos. Por exemplo, a quinta edição do livro, que passou duas décadas sem ser atualizado, classifica manifestações de tristeza, achaques nervosos e preocupações com a falta de saúde física como sendo as doenças mentais chamadas "transtorno depressivo grave", "desregulagem perturbadora do humor" e "transtorno do sintoma somático", respectivamente.
Algumas das omissões do manual são tão polêmicas quanto as suas inclusões. O termo "síndrome de Asperger" não aparece no novo manual, e em vez disso seus sintomas aparecem sob o recém-incluído "transtorno do espectro do autismo".
O DSM é usado em graus variados em diversos países. A Grã-Bretanha usa um manual alternativo, a Classificação Internacional de Doenças (CID), publicada pela Organização Mundial da Saúde. O DSM, no entanto, ainda é enormemente influente - e polêmico.
O escritor Oliver James, formado em psicologia clínica, elogiou a decisão do DCP de se manifestar contra os diagnósticos psiquiátricos, e salientou a necessidade de trocar o modelo biomédico de perturbação mental por um que examine fatores sociais e pessoais.
Em recente artigo no "Observer", James declara: "Precisamos de mudanças fundamentais na forma como a nossa sociedade se organiza, para dar aos pais a melhor chance possível de atender às necessidades da criança e evitar tanta adversidade adulta".
Já o professor Simon Wessely, membro do Real Colégio de Psiquiatras e chefe do departamento de medicina psicológica do King's College, em Londres, disse que é errado sugerir que a psiquiatria está focada apenas nas causas biológicas das perturbações mentais. E, em outro texto do jornal, ele defende a necessidade de criar sistemas de classificação para os transtornos mentais.
"Um sistema de classificação é como um mapa", explica Wessely. "E, assim como qualquer mapa é apenas provisório, pronto para ser alterado à medida que a paisagem muda, o mesmo vale para a classificação."
Tradução de RODRIGO LEITE.
Retirado do Caderno Iustrissima da Folha de São Paulo. Disponível em:
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