Dona Doida
Adélia Prado
Uma vez, quando eu era menina, choveu grossocom trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.Quando se pôde abrir as janelas,as poças tremiam com os últimos pingos.Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,com sombrinha infantil e coxas à mostra.Meus filhos me repudiaram envergonhados,meu marido ficou triste até a morte,eu fiquei doida no encalço.Só melhoro quando chove.
Extraído de "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, p. 108.
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